segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Eu guardei aquele filme



Eu vi uma luz pela janela
Era o dia que nascia
Mais uma semana sem você
Um mês a mais, só outro dia
E o sol batendo no meu rosto
Lembrou-me o que você fazia
Os óculos escuros que usava
E sua mão segurando a minha


Foi muito ou pouco, só eu imaginei?
O que teria sido se eu tivesse sido mais forte
E até hoje não sei se foi certo
Que eu tenha ido embora sem olhar pra trás
Jogando fora promessas bobas
feitas com palavras que me marcaram demais


E eu guardei aquele filme
Que saiu do cinema há mais de um mês
Todos me contaram o final
Mas eu só queria assistir com você
E olhando para as estrelas
Talvez eu sinta um pouco de saudade
Das nossas conversas no telefone
De todas as declarações até tarde
De sentir o que eu sentia
Mesmo que fosse algo só meu
Porque agora estou vazia
Mais ainda dói como doía


Então você volta de repente
E eu sinto que ainda estou sonhando
Mas eu jurava que tinha te esquecido
Então talvez seja um pesadelo
E você diz que é minha culpa
Mas jura que não está com raiva
E me pergunta o que tenho feito
E me pergunta onde eu estava


Nunca mais a gente conversou
Eu nunca mais te ouvi falar
Então revivo cada conversa
Tentando ver o que eu deixei passar
Eu pensava que estava acabado
E que era página virada
Eu não planejei te tratar mal
Acho que nenhum de nós planejava


Você pergunta o que aconteceu
E eu não quero perguntas difíceis
Eu quero respostas que eu não tenho
Eu quero o antidoto para os dias tristes
Você pergunta os meus motivos
E eu digo “seja criativo”
Você puxa uma conversa
E eu pergunto o que quer comigo
Você diz que eu que fui embora
E que os motivos não bastavam
Que eu saí daquela forma
Sem nem mesmo um abraço


Voltando ao começo
nada nunca foi prometido
E se foi, eu já nem lembro
E se eu lembro, então eu minto
Eu lembro disso todo dia
A cada sol que vejo nascer
Eu acho que a gente devia conversar
Ou eu devia conversar com você


Você jura que não está com raiva
Está tranquilo, eu sei
Eu não estou com raiva, só estou triste
Você ficaria se eu pedisse?
Porque eu guardei aquele filme
Que saiu do cinema há mais de um mês
Todos me contaram o final
Mas eu só quero assistir com você
E olhando para as estrelas
Talvez eu sinta um pouco de saudade
Das nossas conversas no telefone
De todas as declarações até tarde
De sentir o que eu sentia
Mesmo que fosse algo só meu
Porque agora estou vazia
Mais ainda dói como doía


Talvez eu não sinta mais nada
E eu tento não olhar pra trás
Porque agora já é tarde
E antes era cedo demais


(isso eu escrevi pra ser a letra de uma música que talvez eu nunca ajeite de verdade, mas tem refrão e tudo no meu original ^^)

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Você sabe

Devia ser umas nove horas da noite, eu era mais uma entre tantas outras pessoas cansadas naquele terminal de ônibus, desejando chegar em casa o mais rápido possível depois de um dia cheio de trabalho, estudo ou os dois e eu estava com raiva, muita raiva de... bem, eu já nem lembro de quê. Eu não saberia dizer o quê exatamente fez com que eu olhasse para aquele garoto, talvez fosse o local, o horário, talvez fosse o tamanhinho dele. O garotinho era só mais um menino no meio daquelas crianças que pulavam a hora da escola, da brincadeira e adiavam a hora de dormir, soltas no meio da multidão, presas dentro de uma dura realidade que as colocava ali no meio de um dos tantos terminais de ônibus de Fortaleza.
Naquele momento, eu esqueci do ônibus que estava esperando, esqueci a raiva e a única coisa que passava pela minha cabeça era o que aquele garoto estava fazendo ali. Na verdade era óbvio, ele estava trabalhando. Assim como outras crianças, eles discursava um texto ensaiado que quase sempre começava como "eu tô aqui aqui realizando o meu trabalho...". Talvez isso tenha aprendido minha atenção, a alguns metros de onde eu estava, um garoto de uns sete anos de idade estava realizando seu trabalho, que consistia em vender caixinhas com bombons de banana e morango.
Então alguém do meu lado chamou "garoto" e em seguida, o menino estava vindo em direção a onde eu estava. No seu rosto, um olhar curioso, assustado, como de um animal acostumado e levar chute, fiquei pensando o quanto do monstro existente no ser humano aquele garoto já havia conhecido com tão pouca idade.
_ Ei, qual seu nome? _ eu perguntei quando ele terminou de "atender" a mulher do meu lado.
_ Ué, você sabe _ ele respondeu.
_ Como eu posso já saber seu nome?
Eu ri e ele pegou uma das caixinhas de bombom para me mostrar, sem levantar a cabeça, sempre olhando pra baixo, sempre assustado.
_ Quanto é? _ eu quis saber.
_ Um real.
Eu tirei as moedas do bolso e coloquei na mãozinha dele, ele olhava e virava as moedas, conferindo talvez. Então me ocorreu a pergunta:
_ Você sabe contar?
_ Não.
_ Então como você sabe que não estão te dando o dinheiro errado?
Ele olhou pra mim dessa vez e deu de ombros, como se aquela ideia nunca tivesse passado pela sua cabeça. Mesmo assim, ele se afastou sem dizer nada e foi entregar o dinheiro para alguém que eu não consegui ver, depois voltou para onde eu estava e me entregou uma das caixinhas, a que tinhas os bombons de banana.
_ Eu quero as de morango, carinha _ falei.
_ Você não gosta de doce? _ perguntou.
_ Eu gosto, morango é doce.
Ele não disse nada e me entregou a caixinha com os bombons de morango, ele olhava pra mim e a até sorria, mas sempre distante e assustado, uma postura que parecia impregnada em quem ele era, pelo menos ali. Tanto que se não fosse seu tamanho ou seu olhar, quem poderia dizer realmente que ele era uma criança?
_ Qual o seu nome? - tentei de novo.
_ Você sabe ué.
_ Sei não.
_ É Derlan.
Depois de dizer o nome, ele voltou a baixar a cabeça e olhar apenas para as caixinhas que carregava, mas então ele fez um "psiu" baixinho pra mim e fez um gesto pedindo que eu abaixasse a cabeça, o que eu fiz.
_ Ei, me dá três dessas balas? _ ele cochichou.
Eu sorri e entreguei a caixinha para que ele mesmo tirasse as que queria.
Eu queria fazer muitas perguntas ao pequeno Derlan, queria dizer muitas coisas, mesmo sem saber exatamente o quê. Eu olhei para o seu cabelo claro e imaginei os fios brilhando com a luz do sol enquanto ele corria atrás de uma bola remendada no meio de um campo de terra batida. Eu queria perguntar se ele jogava bola, queria perguntar sua idade, queria dizer muitas coisas que eu nem sabia o que era, queria ouvir o que ele tinha pra falar, mas não pude. O meu ônibus chegou e Derlan me devolveu meus bombons, a mulher do meu lado (a que chamou ele) comentou que ele havia pego bem mais que três balas e eu quis responder que não era sua culpa, ele não sabia contar.
O garoto já havia se afastado, estava falando para outro cliente que ele, Derlan, quase havia sido atropelado por um ônibus ainda naquela mesma noite. Eu já estava entrando no ônibus, então voltei e chamei o garoto que ainda hesitou um pouco antes de se aproximar novamente. Eu peguei minha caixinha de bombons e coloquei na mão dele.
_ Fica pra você _ falei.
_ Pra mim? _ ele perguntou baixinho, uma certa incredulidade na voz, enquanto eu me afastava em direção ao ônibus.
Eu fui embora tentando imaginar se eu já havia visto aquele garoto antes, ou se veria de novo. Eram sempre tantas crianças naqueles terminais, tantos Derlans, tantas Claras, tantos Lucas, tantas histórias e nomes. O que tinha aquele garoto magrinho que me fez olhar pra ele esquecer toda a raiva boba que eu vinha sentindo o dia inteiro?
Na saída do terminal, eu olhei pela janela e avistei outras crianças trabalhando, eu quase podia ouvir suas vozes enquanto falavam o mesmo discurso que eu ouvi Derlan fazendo poucos minutos antes. Só então eu percebi a verdade por trás das poucas palavras daquele garoto. A verdade é que ele era como as outras crianças que estavam ali, umas de cabelo claro, outras de cabelo escuro, brancas, morenas, mais altas, mais baixinhas. Sim, todas com sua própria história, mas no final eram todas crianças que passam pelo dia invisíveis diante dos "adultos ocupados", crianças com suas necessidades ignoradas e seus direitos violados, crianças que deveriam estar brincando, mas estão em algum lugar realizando seu trabalho. Eu poderia ter falado com qualquer uma delas, mas falei com o pequeno Derlan. Eu não sabia o nome de nenhuma outra criança ali, assim como antes não sabia o dele. Eu perguntei o nome dele na tentativa de saber quem ele era e ele era todas as outras crianças ali e todas as outras crianças eram ele. Na minha cabeça veio a memória da sua vozinha falando "você sabe ué". Ele estava certo, eu sabia, todos sabemos.

(Para o garotinho que eu encontrei há alguns dias e que não saiu da minha cabeça enquanto eu não sentei pra escrever o que se passou)

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A menininha

Hoje eu estava esperando meu ônibus quando vi uma garotinha que estava sentada num banco com a mãe dele assim bem perto de onde eu estava. A menina parecia ter uns seis anos, estava toda arrumadinha de vestido rodado, sapatilha rosa e lacinho no cabelo cacheado, linda. Então ela começou a olhar pra mim, ela olhava e baixava a cabeça com vergonha, andava um pouquinho na minha direção e depois voltava pra onde estava, pra perto da mãe. Ela sentou no banco e voltou a olhar pra mim, a essa altura eu já estava me perguntando o que tinha de errado comigo, ou se eu havia esquecido alguma coisa (tipo a blusa) na faculdade, mas a garotinha estava rindo e eu resolvi sorrir pra ela. Era tudo que ela precisava, como se meu sorriso, tão tímido quanto o dela, fosse uma permissão para que ela se aproximasse. E ela se aproximou, devagarzinho, olhando pra mim e vendo se eu continuava sorrindo, eu continuei e então ela perguntou:
_ Essa blusa é do Chaves?
Deu uma vontade de rir! Eu só consegui dizer "é sim" e o sorriso dela aumentou de uma forma que até eu fiquei feliz com o sorriso de uma criança que eu nunca havia visto antes.
Depois, ela correu de volta para o banco onde a mãe dela estava e eu já estava de costas quando ouvi ela dizer pra mãe: "mamãe, mamãe, ela tem a blusa do Chaves". Nem quis dizer que na verdade a minha blusa era do Chapolim, acho que a mãe dela falou, mas quando eu olhei pra trás, a menininha ainda estava olhando pra mim e rindo.
Só depois que eu entrei no ônibus lotado foi que eu pensei que queria ter perguntando o nome dela, eu sou uma dessas pessoas que acha que as crianças agora assistem mais novela que desenho (e cada vez mais cedo), mas eu acho que aquela menina assiste Chaves, ou pelo menos conhece. Só sei que isso me deu uma alegria danada, mesmo sem fazer sentido nenhum, eu fiquei pensando na carinha dela e como ela parecia encantada, da mesma forma que eu fiquei em trocar algumas poucas palavras com ela. Talvez eu nunca mais a veja, mas por enquanto eu lembro da carinha de feliz dela, ela encontrou alguém com a blusa do Chaves e eu encontrei alguém que ainda assiste Chaves, parece algo tão pequeno, mas acho que alegria tem alguma coisa a ver com isso.